HISTÓRIA DE UM VENCIDO Sol alto. A terra escalda: é um forno. A flama oriunda Da solar refração bate no mundo, acende O pó, aclara o mar e por tudo se estende E arde em tudo, mordendo a atra terra infecunda. E o Velho veio para o labor cotidiano, Triste, do alegre Sol ao grande globo quente E pôs-se para aí, desoladoramente A revolver da terra o atro e infecundo arcano. Por seis horas seu braço empenhado na luta, Fez reboar pelo solo, alta e descompassada A dura vibração incômoda da enxada, Rasgando, do agro solo, a superfície bruta. Mas o braço cansou! Trabalhou... e o trabalho -- Do Eterno Bem motor principal e alavanca -Arrancara-lhe a Crença assim como se arranca De um ninho a seda branca e de uma árvore o galho! Sangrou-lhe o coração e a saudade da Aurora! -- O Hércules que ele fora! O fraco que ele hoje era! E surpreendido viu que um abismo se erguera Entre o fraco que era hoje, e entre o Hércules de outrora! Pois havia de assim, nesta maldita senda De sofrimento ignaro em sofrimento ignaro Ir caminhando até tombar sem um amparo No tremendo marnel da Desgraça tremenda?! part. 2 Noute! O silêncio vinha entrando pelo mundo E ele, lúgubre e só, trôpego e cambaleando Foi-se arrastando, foi aos poucos se arrastando, Para as bordas fatais dum precipício fundo! Quis um momento ainda olhar para o Passado... E em tudo que o rodeava, oito vezes, funéreo Horrorizado viu como num cemitério Cadáveres de um lado e cinzas de outro lado! De súbito, avistando uma frondosa tília Julgou, louco, avistar a ÁRvore da Esperança... E bateram-lhe então de chofre na lembrança A casa que deixara, os filhos, a família! Não morreria, pois! Somente morreria Se da Vida, sozinho, ele pisasse os trilhos... Que mal lhe haviam feito a esposa e a irmã e os filhos?! Preciso era viver! Portanto, viveria! Viveria! E a fecunda e deleitosa seara Verde dos campos, onde arde e floresce a Crença, Compensaria toda a sua dor imensa Tal qual o Céu a dor de Cristo compensara! E aos tropeços, tombando, o Velho caminhava... Caminhava, e a sonhar, bêbado de miragem, Nem viu que era chegado o termo da viagem, E amplo, a rugir-lhe aos pés, o precipício estava. Num instante viu tudo, e compreendendo tudo, Quis fazer um esforço -- o último esforço, e o braço Pendeu exangue, o peito arqueou-se, o cansaço Empolgara-o, e ele quis falar e estava mudo! Mudo! E a quem contaria agora as suas mágoas?! E trágico, no horror brutoda despedida Abraçou-se com a Dor, abraçou-se com a Vida E sepultou-se ali no coração das águas! Cantavam muito ao longe uns carmes doloridos! Eram tropeiros, era a turba trovadora Que assim cantava, enquanto a Terra Vencedora Celebrava ao luar a Missa dos Vencidos! E o cadáver, a toa, a flux d’água, flutua! Ninguém o vê, ninguém o acalenta, o acalenta... Somente entre a negrura atra da terra poenta Alguém beija, alguém vela o cadáver: a Lua!