A MERETRIZ A rua dos destinos desgraçados Faz medo. o Vício estruge. Ouvem-se os brados Da danação carnal... Lúbrica, à lua, Na sodomia das mais negras bodas Desarticula-se, em coréas doudas, Uma mulher completamente nua! É a meretriz que, de cabelos ruivos, Bramando, ébria e lasciva, hórridos uivos Na mesma esteira pública, recebe, Entre farraparias e esplendores, O eretismo das classes superiores E o orgasmo bastardíssimo da plebe! É ela que, aliando, à luz do olhar protervo, O indumento vilíssimo do servo Ao brilho da augustal toga pretexta, Sente, alta noite, em contorções sombrias, Na vacuidade das entranhas frias O esgotamento intrínseco da besta! É ela que, hirta, a arquivar credos desfeitos, Com as mãos chagadas, espremendo os peitos, Reduzidos, por fim, a âmbulas moles, Sofre em cada molécula a angústia alta De haver secado, como o estepe, à falta Da água criadora que alimenta as proles! É ela que, arremessada sobre o rude Despenhadeiro da decrepitude, Na vizinhança aziaga dos ossuários Representa, através os meus sentidos, A escuridão dos gineceus falidos E a desgraça de todos os ovários! Irrita-se-lhe a carne à meia-noite. Espicaça-se a ignomínia, excita-a o acoite Do incêndio que lha inflama a língua espúria. E a mulher, funcionária dos instintos, Com a roupa amarfanhada e os beiços tintos, Gane instintivamente de luxúria! Navio para o qual todos os portos Estão fechados, urna de ovos mortos, Chão de onde uma só planta não rebenta, Ei-la, de bruços, bêbeda de gozo Saciando o geotropismo pavoroso De unir o corpo à terra famulenta! Nesse espolinhamento repugnante O esqueleto irritado da bacante Estrala... Lembra o ruído harto azorrague A vergastar ásperos dorsos grossos. E é aterradora essa alegria de ossos Pedindo ao sensualismo que os esmague! É o pseudo-regozijo dos eunucos Por natureza, dos que são caducos Desde que a Mãe-Comum lhes deu início... É a dor profunda da incapacidade Que, pela própria hereditariedade A lei da seleção disfarça em Vício! É o júbilo aparente da alma quase A eclipsar-se, no horror da ocídua fase Esterilizadora de órgãos... É o hino Da matéria incapaz, filha do inferno, Pagando com volúpia o crime eterno De não ter sido fiel ao seu destino! É o Desespero que se faz bramido De anelo animalíssimo incontido, Mais que a vaga incoercível na água oceânea... É a Carne que, já morta essencialmente, Para a Finalidade Transcendente Gera o prodígio anímico da Insânia! Nas frias antecâmeras do Nada O fantasma da fêmea castigada, Passa agora ao clarão da lua acesa E é seu corpo expiatório, alvo e desnudo A síntese eucarística de tudo Que não se realizou na Natureza! Antigamente, aos tácitos apelos Das suas carnes e dos seus cabelos, Na Óptica abreviatura de um reflexo, Fulgia, em cada humana nebulosa, Toda a sensualidade tempestuosa Dos apetites bárbaros do Sexo! O atavismo das raças sibaritas, Criando concupiscências infinitas Como eviterno lobo insatisfeito; Na homofagia hedionda que o consome, Vinha saciar a milenária fome Dentro das abundâncias do seu leito! Toda a libidinagem dos mormaços Americanos fluía-lhe dos braços, Irradiava-se-lhe, hírcica, das veias E em torrencialidades quentes e úmidas, Gorda a escorrer-lhe das ártérias túmidas Lembrava um transbordar de ânforas cheias. A hora da morte acende-lhe o intelecto E à úmida habitação do vício abjecto Afluem milhões de sóis, rubros, radiando... Resíduos memoriais tornan-se luzes Fazem-se idéias e ela vê as cruzes Do seu martirológico miserando! Inícios atrofiados de ética, ânsia De perfeição, sonhos de culminância, Libertos da ancestral modorra calma, Saem da infância embrionária e erguem-se, adultos, Lançando a sombra horrível dos seus vultos Sobre a noite fechada daquela alma! É o sublevamento coletivo De um mundo inteiro que aparece vivo, Numa cenografia de diorama, Que, momentaneamente luz fecunda, Brilha na prostituta moribunda Como a fosforecência sobre a lama! É a visita alarmante do que outrora Na abundância prospérrima da aurora, Pudera progredir, talvez, decerto, Mas que, adstrito a inferior plasma inconsútil, Ficou rolando, como aborto inútil, Como o do deserto! Vede! A prostituição ofídia aziaga Cujo tóxico instila a infâmia , e a estraga Na delinqüência impune, Agarrou-se-lhe aos seios impudicos Como o abraço mortífero do Ficus Sugando a seiva da árvore a que se une! Enroscou-se-lhe aos abraços com tal gosto, Mordeu-lhe a boca e o rosto... Ser meretriz depois do túmulo! A alma Roubada a hirta quietude da urbe calma onde se extinguem todos os escolhos: E, condenada, ao trágico ditame, Oferecer-se à bicharia infame Com a terra do sepulcro a encher-lhe os olhos! Sentir a língua aluir-se-lhe na boca E com a cabeça sem cabelos, oca... Na horrorosa avulsão da forma nívea Dizer ainda palavras de lascívia